terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quem é o inimigo?


Há alguns anos participei de um seminário muito interessante. O ministrante, cujo nome me falha à memória, era um japonês que mora no Rio, mestre em esgrima e outras artes como Aikidô e Karatê. Minha impressão é que, como muitos que ficam isolados, ele acabou criando um estilo próprio e sui generis.

Mas o que me chamou a atenção, além de sua agilidade e poder (apesar da aparente estrutura franzina), foi sua calma e sua visão profunda de várias artes marciais.

Entre muitas falas dignas de nota, ele disse algo mais ou menos assim: antigamente, os guerreiros sabiam muitas artes. Sabiam montar e atirar fechas em movimento. Se as flechas acabavam, dispunham da lança, mas se esta quebrava, eles empunhavam a espada, longa ou a curta, conforme a necessidade. Perdendo estas, ou dependendo da situação, muniam-se do punhal e, mesmo sem este, sabiam muitas técnicas usando apenas as mãos. Porém, mais do que vencer, eles queriam sobreviver. Vencer significava que um dia você poderia estar no outro extremo, ou seja, você poderia morrer. Apesar de não temerem a morte, os Samurais definitivamente queriam antes de tudo sobreviver. Mais do que matar, o fundamental era estar vivo.

A pergunta que me faço é: o que é sobreviver nos tempos atuais?

Infelizmente, hoje em dia o homem desenvolveu muitas formas de matar. Formas mais eficientes e implacáveis. Armas altamente sofisticadas são usadas a esmo no crime organizado pelo mundo afora. Armas de destruição em massa são as vedetes no comércio bélico mundial. Genocídios são cometidos usando armas socialmente aceitas e amparadas por políticas econômicas cruéis e insensíveis. Então o que poderia mudar esta dura realidade?

Penso que, no âmbito da nossa prática, o que podemos fazer é desenvolver uma percepção mais sutil e profunda do nosso ser. Assim não levaremos adiante a lógica do vencer ou perder. No meu entedimento, pode haver uma solução harmoniosa que não opere com estes parâmetros maniqueístas. Daí a minha admiração pela prática dos Taigis, nos quais o que está em jogo é a qualidade da interação entre nage e uke. Muito mais do que alguém que faz algo ao outro, nage e uke são um só, e, assim, um com o universo.

Acabo concluindo que, paradoxalmente, as artes marciais podem lidar com referências de luta e guerra, mas não fomentar a violência. Esta é a grande evolução das artes marciais. Morihei Ueshiba, Ô Sensei, não formatou uma arte marcial para a paz? É o Jitsu cedendo lugar ao Dô, é a arte marcial como caminho para a evolução da consciência. A arte marcial como caminho espiritual, e cada vez menos como instrumento para subjugar o outro ou mesmo se defender. Defender-se de quê? De quem? O inimigo somos nós mesmos. Nossa desconexão entre mente e corpo. Nossos medos e ódios. Nossa mente da discórdia e da ignorância.

Edival

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